Reza a
máxima do jornalismo que a notícia não ocorre quando um cachorro morde um homem, senão
quando este morde o cachorro. Foi certamente com esse ensinamento em mente que o apresentador do Jornal Nacional, Willian Bonner alardeou a seguinte manchete: “EM BRASÍLIA, POLICIAL É FLECHADO POR ÍNDIO!”.
As imagens do
embate entre as tropas do governador do DF e os “silvícolas” são exibidas em
câmera lenta, com recursos visuais que dão ênfase à flecha de um selvagem atingindo
um homem civilizado – que audácia! Uma cena inacreditável para os primórdios do
terceiro milênio; a cavalaria atacada por uma chuva de flechas, a duas semanas
do maior evento esportivo do planeta! A úlcera do Blatter pulsa!
Ao Homer apavorado
que a tudo assiste do conforto do seu lar, não importa noticiar que uma tropa
de choque, a cavalo, fortemente armada e adestrada para espancamentos
aleatórios, se interpôs barbaramente entre os manifestantes e o Estádio Mané
Garrincha, mas somente que a Capital do País está sob ataque indígena! Balas de
borracha, lapadas de cassetete nas costas e bombas de gás sobre a população não
são notícia.
Por ser
centenária, a agressão cometida pelo branco contra o índio não é e nunca foi
motivo de muito alarde. Os que não sofreram genocídio sofrem, cotidianamente, covardes
ataques físicos e brutais perseguições morais dentro de um país que se diz de
todos os brasileiros. Fenômeno este que se repete no Brasil desde a chegada da
primeira caravela cabralina, foi replicado por imperadores e republicanos,
ditadores e tucanos, e que hoje encontra eco na ação criminosa de ruralistas que,
sem o menor constrangimento, dividem a mesa de jantar do Palácio do Planalto
com a presidenta petista, decidindo os rumos do Brasil Celeiro.
A poucas
centenas de metros da pancadaria, se exibia em puro ouro a taça da Copa do
Mundo, para deleite da cristandade local. Idolatrada pela massa alienada que a
adorava, é possível imaginar que a turba de selvagens que subia o Eixo
Monumental quisesse destruir aquele símbolo de poder pagão, assim como o fez
Moisés com o bezerro dourado, após receber das mãos do Senhor sua santa missão.
Em tempos de
Copa, porém, Deus não é juiz e não apita nada por aqui; quem entende de
mandamentos é a FIFA, quem obedece como um bezerro é o Estado Brasileiro, e
quem é destruído são os direitos da população, indígenas ou não.
Eu queria
muito que essa Copa fosse fruto de um governo totalitário, de direita, bem
reacionário, para que eu pudesse encher a boca contra toda espécie de arbítrio
cometido, cheio de razão. Mas ela é fruto dos novos tempos; tempos em que a
esperança venceu o medo e que um torneiro-mecânico virou presidente; tempos de
muita concessão já feita ao patriarcado tradicional; de muita mão beijada e
enfiada na merda; de muita gente engordando, enriquecendo, fazendo a barba ou
ensurdecendo. Tempos de Belo Monte,
Monsanto, agronegócio e retrocesso ambiental. De morte no campo e de jovens
indígenas baleados e abandonados à beira de estrada vicinal.
Tempos,
afinal, em que nosso servil Bebetinho, trajando o uniforme vermelho da
multinacional, embala a Taça nas mãos e agradece à Coca-cola por fazer o “Tour
da Copa” e permitir que todo brasileiro “sinta essa emoção”. O bom baiano, ou
sabe mais que a gente, ou não sabe de nada, o inocente.
foto&arte: joão sassi