sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Esperto é o gato porque já nasce de bigode


O que tem de malandro-agulha não tá no gibi; todo mundo querendo dar nó em pingo d'água...

Eu e meu parceiro estávamos famintos e cansados por passar toda a manhã dentro de um carro, no que pensamos em almoçar no Mina’s Fud, aquele restaurante mineiro que serve uma comidinha satisfatória, na W3 Norte; um pouco gordurosa, talvez, mas satisfatória... 

Aqui em Brasília, como em todo e qualquer centro urbano onde impera a falta de raciocínio governamental e de bem-estar social, cada um faz o que quer pelas ruas da cidade. Há poucos anos, este restaurante, por exemplo, não passava de um pequeno refeitório que servia PF’s aos mecânicos das oficinas situadas nas adjacências. O governo ameaçou tirar o pessoal, criou, ainda que mal e parcamente, o Setor de Oficinas Norte, fez divulgação, coisa e tal, mas continua muita gente lá, trabalhando, ainda que ilegal. E tá só aumentando; parece que tem até um projeto do GDF para legalizar todo mundo de novo e construir mais comércio. Nesse caso, sou obrigado a concordar: tem muito espaço vazio nesta cidade; pra quê tanta área verde? Só serve de abrigo pra mala, noiado e marginal. Acho que Brasília tá precisando progredir, evoluir. De pasto, o Entorno tá cheio! Que capital é essa que não tem prédio grande? Parece até que brasileiro tem medo de altura...

No Mina’s, o dono (conhecido meu) aproveitou um feriado prolongado e, para a fiscalização não pegá-lo, ergueu na tora um puxadinho caprichado. O tamanho do estabelecimento ficou jóia! Hoje dá para chamar de restaurante; tem pra mais de 50 mesas no salão! Tem também um estacionamento ao lado, mas que está sempre ocupado pelos mecânicos que aproveitam o espaço público como local de ofício, de modo que faço o óbvio; paro meu potente utilitário sobre a calçada, bem defronte o Mina’s, e todo mundo fica numa boa. A calçada é espaçosa; não fecho a passagem do cidadão, que pode passar pelo cantinho, nem atrapalho o trabalho dos mecânicos.

Na entrada, somos bem recebidos pelo menino que distribui as fichas de consumo. É um bom garoto. Por ser dimenor, recebe apenas uma ajuda de custo para trabalhar ali. É pouco, mas é melhor do que estar roubando ou se drogando, como muito pivete da idade dele.

Seu Oswaldo, o dono, acena com um sorriso por detrás da caixa registradora. Registradora é modo de dizer, pois como o sistema aqui é informal, ele não registra nada e o governo não recolhe o que deveria. Acho justo, afinal, Seu Oswaldo dá um duro danado e todo mundo sabe que os políticos aplicam mal o dinheiro dos impostos.

Dia de segunda-feira é o meu preferido, pois o pessoal da cozinha reutiliza a feijoada que sobrou da sexta e do sábado, então ela fica muito mais saborosa porque o gosto fica mais assentado – eu toco o foda-se encho o prato! Coloco um toicinho na cobertura e aceito umas lingüiças apimentadas que o Juca, que fica na chapa, traz de São Sebastião e repassa ao patrão. O açougue é clandestino, mas o Juca garante que a qualidade é boa; ele mesmo come dela pra provar o que diz. Couve eu não curto, nem laranja. Aproveito pra comer um monte de merda, sem que minha mulher fique me enchendo o saco. Aquilo ali é uma praga! Rola até uma branquinha para rebater. Ferreira, meu parceiro, me chama a atenção - diz que temos que trabalhar à tarde - mas uma ou duas doses não vão me derrubar. Além do mais, ninguém me viu bebendo, pô!... A gente passa o dia todo naquela porra de carro, então ninguém vai sentir meu bafo.

No Mina’s, aliás, todos nos tratam com respeito. A mulher do Seu Oswaldo, Dona Terezinha, inclusive, faz sempre questão de nos convidar para nos sentarmos com ela e com a Claudinha, filha deles dois. Claudinha tem 14 anos, mas já é gostosa e eu pegava sem dó; tenho certeza que essa menina gosta de uns tapas na cara. Essa geração de agora tá cheia de menina safada, e do jeito que a Claudinha se pinta e se veste, já sei do que ela gosta. O problema é que a mãe não tira os olhos de mim. Para azar dela, só como vitela; se Claudinha quiser se apresentar pro serviço, faço dela minha cadela.

Já perguntei pro Ferreira se ele topava convidar a menina pra uma farra e tocar o terror com ela, mas descobri que o filha da puta toca na bandinha: ele, claro, não revela, mas sei que ele curte dar a bunda. Já vi o Ferreira se esfregando com um sujeito peludo, numa quebrada de Taguá. Ele não sabe que eu sei e eu finjo que não sei. Afinal, é um profissional dedicado, o pederasta do Ferreira, por isso o aceito como parceiro. E na hora que o caldo engrossa, ele não faz feio e desce o cacete. Sujeito íntegro e macho, o viado do Ferreira.

Como também o é meu amigo Oswaldo, quem muito gentilmente não nos cobra qualquer pagamento pela refeição. Despeço-me e advirto que estou sempre nas redondezas; se precisar, é só ligar. À saída, dou um cascudinho carinhoso no menino que fica na porta: - E aí, pivete, já voltou a estudar? Não te mete com os malas daqui, hein! Não vai fumar maconha! -, e atravesso a rua, a passos esparsos, como os de um fazendeiro. Uma camionete também subiu na calçada e estacionou bem colado à porta da nossa viatura. Eu poderia multá-lo, mas tudo bem; é do filho do Seu Oswaldo e sei que ele não se demora muito almoçando.

Entro pela porta do passageiro já desafivelando o cinto do fardamento a fim de desapertar a pança, e pergunto:

   - Sorvetinho e sesta, Ferreira?

   - Sorvetinho e sesta...

   - A gente pode pegar uns picolés aqui mesmo e encostar ali, no gramado do final da L2 Norte, onde têm aquelas árvores e uma sombrinha legal... Dá pra cochilar ou curtir o lago e tal...

   - É nóis! Liga essa sirene e pisa fundo!...


imagem: joão sassi