terça-feira, 29 de novembro de 2011

O que o Futebol nos dá

Urubu x Bacalhau: quem vai pagar o pato?

"Paaaaaaaassaaaaaaaaaaaaaooootêmpooooooooooo... São jogados 40  minutos do primeiro tempo , e Vasco e Fluminense vão empatando em zero a zero!..." - berrava o locutor do rádio, enquanto eu cruzava a cidade.

Era uma situação inusitada para quem deveria estar noutro lugar, que não ali. Todo o campeonato eu acompanhara do Varjão, em meio a moradores da comunidade, observando a relação deles com seus clubes de coração. E seria agora, justamente quando o campeão poderia ser decidido, que eu não estaria lá a ver o desfecho de minha pesquisa... Como justificar ao orientador? Ou à minha consciência? Afinal, que diabos eu estava fazendo dentro daquele carro, e não no Varjão?

"...Recebe Fred em posição de marcar... Prepara o arremate e chuta!... Na trá-veeeee!!! Naaaaaaaa trave!!!!!!! - prossegue o locutor. Era necessário que o Vasco ganhasse o jogo para que o Corinthians não fosse o campeão. Desta forma, a decisão ficaria para a rodada derradeira, conforme manda o manual do bom futebol e as leis de Deus.

Sim, eu estava torcendo pro Vasco da Gama. Para que minha pesquisa não se transformasse num fracasso, eu deveria rezar para que o Trem Bala da Colina colocasse óleo de ziriguidum como combustível e voasse baixo; do contrário, as consequências seriam funestas...

O que eu ia fazer? Perguntar ao Farinha Azeda (um informante) qual foi a emoção dele na hora do jogo? Pedir a Bode, um vascaíno apaixonado, que explicasse academicamente o que se passou em seu coração quando, no outro jogo, ao mesmo tempo, Liédson marcou para o Timão contra o Figueirnse, deixando seu Vasco a ver caravelas? Não dá; eu tinha de estar lá, mas não estava!...

Estava, como já disse, numa outra missão; complicada e difícil de explicar; daí ficar mesmo sem explicação. Eu havia me comprometido com um amigo que se encontrava numa situação complexa com a namorada. Um cara que já me deu apoio em muitas horas delicadas, e que já pisou na bola, como todo mundo que é humano. Talvez eu pudesse lhe dizer, "cara, agora não dá", mas como eu já disse, era uma situação difícil de explicar.

Que me chamem de irresponsável e inconsequente; é o que sou! Contem-me, pois, alguma novidade! Estava tudo a perder, mas eu tinha de dar essa força a ele.

Resgatei meu bróder e ele não estava legal. Tinha o choro entalado. Quis ser solidário e diminuí um pouco o volume do rádio, mas estava também contrariado por não estar lá, onde deveria estar. Ficamos calados durante um bom tempo, e olha que já estávamos no segundo tempo!

De repente, "goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooollll... É do Vasco da Gâmaaaaaaaa... A-le-qui-sandro!!!!... Tira o primeiro zero do placar, fazendo explodir a torcida cruz-maltina!..."

Foi um tremendo alívio. Mesmo com a vitória corintiana, o título só seria decidido na próxima rodada, e meu trabalho não teria sido em vão. Imediatamente, perguntei a ele como estavam as coisas, demonstrando total solicitude.

Ele então se pôs a balançar negativamente a cabeça, até que conseguiu fazer derramar as lágrimas que lá vinham se acumulando, e me contou sobre sua desilusão - talvez mais consigo do que para com a namorada. Aproveitei sua capacidade de auto-crítica e lhe dei meu melhores conselhos (na minha opinião, é claro), confortando-o um pouco... Mas em seguida o Fluminense empatou. Desgraça!

E o que era doce ficou acre, e logo me dessolidarizei com ele, acusando-o de pôr a perder minha pesquisa: "Não dava para me ligar antes? Ou depois? Mas tinha de ser na hora do jogo?".

Eu sei que estava sendo escroto... Mas o homem não é bicho-escroto?

Destilei toda minha mágoa, como se ele pudesse, porventura, ser o responsável por uma derrocada inteiramente por mim arquitetada. Pensava em chegar a tempo de ver os momentos finais, mas as notícias que chegavam do rádio não eram nada boas: "Termina a partida com a vitória corintiana! Basta que se confirme o empate no jogo do Vasco para que o Coringão seja novamente campeão brasileiro!!!".

Escutando aquilo, eu era capaz de visualizar todo o ambiente de euforia no boteco de Farinha Azeda, com Seu Tinho e Peludinho chorando de alegria pelo Corinthians, com Bode triste por seu Vasco. Via Cazuza feliz por ver seu Bahia ainda na primeira divisão, enquanto Bolinha rogava pragas ao seu outrora invencível São Paulo, fora da Libertadores da América.

Queria estar com eles, dividindo um prato de rabada ou carne de caça, no mesmo prato, na mesma colher, tomando uma cerveja gelada e fazendo graça da desgraça alheia. Rindo dos perdedores, mas rindo junto. É o que o futebol nos dá.

Eram 45 minutos, e eu já me sentia mal por haver dito tudo o que disse; um certo remorso. Então, já convencido a pedir desculpas, olhei para o lado e... "Goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooollllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll... E é do VÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁSCOOO! Miláááááágre no Engenhão, caros ouvintes!!!"

Meu pai me contou, horas depois, que até ele, flamenguista total, se emocionou com o gol do Bacalhau. Já com o tempo esgotado, o garoto Bernardo Boa-Praça marcou e correu em direção à felicidade , como nos velhos tempos, e chorou bonito diante de sua torcida alucinada, como um menino que prometera à mãe que sabia fazer aquilo direito; e fez.

Bernardo foi o herói do Vasco, e o Vasco foi meu herói neste domingo. Meu trabalho foi salvo. Não sou ingrato e sei reconhecer que vou ter de dar créditos à Turma da Colina em minha pesquisa. Mas é só.

Semana que vem tem Flamengo e Vasco, que decide o título, e sei que vou estar no lugar certo, junto à massa, cantando o velho hit do embate: ô-ôôô-ôôô VICE, DE NOVO!!! 


(E vou levar junto o meu amigo, a ver se levanto a bola dele.)





foto by Peludinho

domingo, 20 de novembro de 2011

Gente é pra ser Feliz

Gente que também quer ser feliz


Mais um dia na vida. E nem sete horas eram quando já estava novamente metida em frente ao espelho, tentando focar a própria cara amassada.

Ela havia dormido tarde por conta da maldita reunião com aqueles empresários da soja travestidos de políticos; estava exausta e tinha uma cerimônia agendada para aquela manhã.  "É..., como dizia papai: "não tem meu pé tá doendo", pensou ela, "trabalho é trabalho!". 

Enquanto lavava o rosto, pensava no neto, nascido há poucos meses, e motivo de suas maiores alegrias. Ao mesmo tempo, erguia as sobrancelhas, inflava as bochechas e fazia caretas repetidas vezes. Não se tratava de um tique nervoso, mas de recomendações de sua esteticista para que exercitasse a musculatura facial, tornando menos flácida a pele dali - e retardando o aparecimento daquelas "bochechinhas de buldogue". 

Ainda de robe, entregou-se ao ritual de sentar-se numa confortável poltrona, próxima à varanda ensolarada que separava seu quarto do jardim, atrás da casa, para passar os olhos nas principais notícias do dia. Não se preocupou em ler, mas se utilizou dessa muleta para refestelar-se na almofada e curtir um pouco mais o restinho de sono, fazendo cara de sonsa para o sol que começava a brilhar.

Cá fora, e em toda a dimensão do gramado impecável, reinava uma atmosfera de harmonia perene, com as flores sempre bem cuidadas, e a visitação constante de muitos passarinhos e zumbidinhos que transportavam nossa mulher de negócios para sua terra natal, marcada pelo bucolismo regional de sua gente.  E ela dava um sorriso demorado... Que, geralmente, era o único do dia.

À mesa do café, já era outra pessoa. Muito séria, preocupou-se em repassar o assunto a ser tratado no compromisso de dali a minutos. Tomou café e comeu muito queijo branco, além do mamão papaia nosso de cada dia. Pão de queijo,  só dois, e dos pequenininhos, ainda que a dieta lhe vetasse o segundo.

Apesar de vez ou outra lidar com assuntos de seu interesse, em seu ofício as coisas nunca saiam conforme seu desejo. O que quer dizer que agendas potencialmente interessantes eram, em geral, motivo de frustração e encheção de saco. É por isso que sempre se levantava da mesa do café já mal-humorada.

Já dentro do carro, mandou o motorista tocar para o trabalho. Durante o trajeto, apressou-se em dar um rápido telefonema à filha; queria novidades de seu netinho: "Põe ele na linha! Põe ele na linha para cochichar com a vovó!". Imediatamente, a sisudez de seu rosto deu lugar a um enorme sorriso - outro! - o segundo do dia! Pelo retrovisor, o motorista estranhou a cena.

Da garagem, sentindo-se leve, entrou no elevador privativo com visível tranquilidade. O ascensorista até se atreveu, sabe-se lá porquê e a que risco, a olhar diretamente em seus olhos, transmitindo mensagens tele(sim)páticas para ela - que retribuiu.

Deu bom-dia às secretárias antes de entrar em sua sala. Deixando a bolsa de lado, assim como o maço de documentos que teria de ler, colocou as mãos nas cadeiras e espiou o horizonte logo à frente  pela fresta da cortina: "É... Até que esta cidade não é feia!... Mas poderia ter mais gente!" - exclamou, em voz alta.
Alguém bateu à porta, avisando-a da cerimônia. Estava tudo pronto.

Dona do pedaço, iniciou o evento propalando as palavras protocolares de sempre. Seria apenas mais uma, dentre tantas cerimônias em sua vida, mas em meio ao discurso, embargou-lhe a voz, e ela quase chorou. 

Os presentes, tocados pela delicadeza e espontaneidade do ato, aplaudiram-na de pé! A mulher sem emoções, numa única manhã, sorrira duas vezes e, num gesto supremo, emocionou-se em público, capturando as atenções e a simpatia de todo aquele que, como eu, acha que "gente é pra ser feliz". 

foto de joão sassi

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Tia Carla



Tia Carla se prepara para o banho


 Danilo não tinha o costume de dormir após o almoço. Por isso, sentia-se um pouco constrangido ao ver Tiago, seu melhor amigo, e toda a família se preparando para uma siesta coletiva.

Era dezembro, e Danilo havia sido por convidado pelo inseparável colega para veranear em uma pequena vila de pescadores, entre o mar e o mangue baiano. Passavam o dia inteiro juntos, respeitando todas as ilimitações que a vida empresta a garotos de 12 anos. O momento da siesta era a única exceção.

Todo os dias, após o almoço, "seu" Leandro, pai de Tiago, iniciava o ritual com os os colchonetes e os ventiladores, distribuindo-os pelos cômodos do rústico casebre. Danilo dormia no mesmo quarto do amigo, cuja irmã, Beatriz, dormia no quarto ao lado. "Tia" Carla, na benfeição de seus trinta e poucos anos, se juntava ao marido em uma das redes armadas na varanda, onde cochilavam escutando os ruídos marítimos que suplantavam os coqueirais da beira-mar.

Enquanto seu companheiro de aventuras dormia a sono profundo, Danilo, de olhos bem abertos, levava sua imaginação para o quarto ao lado. Não que Beatriz fosse linda ou algo assim, o importante é que ela era quase da sua idade! Há alguns anos, era apenas a "irmã chata do Tiago", mas hoje, era o alvo preferencial de suas infrutíferas tentativas de aproximação física. Não tendo suas súplicas atendidas, Danilo se acabava na punheta.

Não tinha qualquer pudor em se masturbar na frente do amigo ou dos primos da mesma idade, mas desde que vira a gala subir pela primeira vez, recolhia-se à solidão para maior satisfação.

E tinha o calor... Naquela tarde, o sol parecia ter esmorecido sobre a Bahia, de tanta quentura! A casinha, por mais abençoada que fosse pela brisa, estava um forno. Danilo sentiu o corpo suado grudando no lençol. Agoniado, olhou para o amigo, que babava no travesseiro, e decidiu se levantar.

Com vergonha de passar pelo casal que dormia na varanda, Danilo pulou pela janela e escapuliu por detrás da casa, em meio à densa vegetação litorânea, percorrendo uma trilha estreita e longa, de fina areia branca. Após relativa caminhada, já próximo ao mangue, encontra pequenas lagoinhas de água doce e morna, cor de Coca-Cola. Não havia ninguém em muitas centenas de metros para cá ou para lá. O silêncio era total.

Ao onanista, a solidão não é motivo de tristeza, senão de excitação.

Jogando o calção de banho sobre margem e sentindo sua nudez exposta, sentiu também o pau ficando duro. Virou-se para um lado e para o outro, sentindo-se o próprio Senhor da Terra! Exibiu a própria excitação às borboletas, às libélulas e a todas as mulheres que seu pensamento alcançava. Então se deitou.

De barriga para baixo, o menino mantém o rosto afundado na água o quanto pode. Quando não aguenta mais, ergue a cabeça, toma mais ar, e mergulha novamente. De vez em quando, um peixinho o belisca, ou um inseto pousa sobre suas costas, mas nada que o desconcentre.

Sob o auspicioso sol das 3 horas das tarde, Danilo encontrara o refúgio perfeito para dar vida aos pensamentos que o acompanhavam desde o início das férias: Ah, Beatriz!... Era bom imaginar ela ali, ao seu lado... Aparecendo do nada, sozinha, de biquini, peladinha; só eles dois na lagoinha... Ah, Beatriz!

Após o gozo intenso, o menino se diverte observando a porra rodopiando dentro d'agua, como se tivesse fertilizado o próprio Planeta. Mas num breve instante de racionalismo, lembra que sua fuga poderia preocupar a todos, e decide voltar pra casa.

Caminhando livre, leve e solto pela trilha sombreada, Danilo avista alguém vindo ao longe, em sua direção... É Tia Carla! Alertado por todos os sentidos e presságios, o garoto dá meia-volta e corre, indo se esconder numa das muitas lagoinhas, em meio à vegetação. Em poucos instantes, surge a "tia".

Num gesto gracioso, ela segura o cabelo com as mãos e o envolve em si, prendendo-o num coque, com uma pequena vareta. Em seguida, faz a canga cair e, já despida, entra n´água.

Imóvel, sem mover uma pluma, Danilo tem a melhor experiência de todas as férias e uma uma das melhores de sua recém-terminada infância. Como numa fábula escrita por Zéfiro, o menino tem, diante de si, a visão de uma mulher totalmente nua, com peitos lindos, bunda grande e pêlos pubianos!... Era sua primeira buceta de verdade.

As que vira inadvertidamente durante a infância não contam, pois a maldade era pouca. A de Tia Carla era a primeira - a primeiríssima - que Danilo estava vendo em sua vida; e ele a via quase que em detalhes, a poucos metros de desejo.

Sendo pouco profunda a lagoinha, Carla tinha de se agachar para trazer a água ao corpo e se refrescar, exibindo ao pirralho mais do que ele poderia imaginar.

A marquinha provocada pelo biquini contrastava com sua pele dourada, e mais ainda com seus pêlos pubianos, volumosos e negros. Danilo poderia apostar que fossem também cheirosos, tal o cuidado com que Carla os acariciava, produzindo na mente da inocente criança as mais bem-vindas e indeléveis marcas que um homem poderia receber em vida.

sábado, 5 de novembro de 2011

O Porteiro Romântico


requinte madrileño

Em meio às atribulações do ofício, e aflita por receber a encomenda prometida para aquela tarde, ela liga diretamente para a guarita do seu bloco, e deixa um aviso com o porteiro - um homem cuja feição de estivador russo esconde a afabilidade que molda seu caráter: - "Tobias, vai chegar algo para mim nesta tarde; é muito importante. Fique atento, tá?"

Sua aflição decorre da apresentação de dança flamenca que faria dali a poucos dias, no Teatro Nacional. As antigas castanholas já não estavam à altura de sua desenvoltura - seria preciso fazê-las dignas de sua destreza requintada. Para tal, encomendara um par de castañuelas madrileñas, e pensava em treinar o quanto fosse possível, a fim de se adaptar às suas novas conchitas negras, até o grande dia.

Antes de sair para o trabalho, avisara ao marido que também ficasse atento, caso estivesse em casa. Este, muito mais interessado no noticiário esportivo sobre o Flamengo, apenas consentiu com a cabeça.

"Já é Sexta, e se não chegarem hoje, só na Segunda!...", lamentava para si, dentro do elevador. E havia os ensaios de Sábado e Domingo, quando sua trupe flamenca desfrutaria da presença de uma famosa dançarina espanhola, especialista na arte das... Castanholas.

A tarde corre solta, tudo continua como antes, e a cada pequeno avanço do ponteiro no relógio, um pingo de tristeza pontua negativamente sua expressão facial.

É interessante o status que o novo emprega ao velho. As antigas castanholas lhe eram muito bem-vindas, até então. Sob a perspectiva da inovação, no entanto, deixaram de sê-las. Subir ao palco com elas se tornara, subtamente, impensável, e certamente motivo de muita tristeza. Freud e Marx teriam muito a conversar sobre o assunto...

O marido está em casa, esticado no sofá, assistindo à cópia pirata da recém lançada filme-biografia do Rondinelli - o Deus da Raça. De repente, toca o interfone. Ele meio que ignora, atento à tela. Toca novamente, duas vezes. Ele congela a cena, se levanta e vai atender:

- "Alô?.... Quem?... Não, não está... É só com ela?... Ah... Quem é?... Alô? Alô!?...".

Voltou para o quarto e seguiu vendo o filme.

Sua mulher liga, obrigando-o a dar novo stop no DVD. Ela pergunta se chegaram as castanholas: - "Que castanholas?", responde ele, que, lembrado por ela (ah, sim! Aquelas castanholas...) promete "apurar", desligando o telefone.

Ela segue no trabalho, triste e desesperançosa. Ele segue mergulhado nas emoções da conquista de 78, imerso em sensações indescritíveis aos pagãos do ludopédio, porém vívidas e explícitas aos seus olhos, em forma de pura e contagiante alegria rubro-negra.

Termina o filme, e finalmente ele vai apurar o caso, não resolvendo, pois, coisa alguma. Liga para a mulher e avisa que nada chegara: - "O Tobias falou que o homem dos Correios veio e não tinha encomenda nenhuma pra você...".

Ela escutou as palavras do marido em silêncio, passando pela sua cabeça todas as cenas do porvir, e ela sem as castanholas prometidas... - "Pois é", completou ele, "e o Tobias disse também que se não chegou até agora, só na Segunda, mesmo...". Deprimida, ela desliga.

Encerrado o expediente, retorna à casa.

Estaciona o carro no exato momento em que se encerra a Voz do Brasil. O Guarani se mistura ao Flamenco que sapateia em seu pensamento. E ela pragueja, batendo com força a porta do automóvel, bem como os pés no chão, num legítimo "O-lé!", espanhol. Em sua direção, caminha o Tobias, que traz uma pequena caixa consigo.

- "Tá aqui, Madame!... - diz ele, entregando a ela a aguardada encomenda. - "Seu marido até teve aqui, perguntando sobre o pacote, mas eu desconversei. Não disse nada e fiquei esperando a senhora, para não ter erro!".

Surpresa e emocionada, ela pergunta, sem entender: - "Erro? Como assim?..."

- "Ué, sobre o presente pro seu marido...", respondeu ele, franzindo as sobrancelhas de taturana. - "Assim que o rapaz veio deixar a encomenda, li, lá, escrito no pacote: "FLAMENGO", e pensei que era uma surpresa que a senhora ia fazer pra ele... Não é, não?", disse Tobias, colocando um doce sorriso entre as bochechas suadas.
 
foto de joão sassi