"Paaaaaaaassaaaaaaaaaaaaaooootêmpooooooooooo... São jogados 40 minutos do primeiro tempo , e Vasco e Fluminense vão empatando em zero a zero!..." - berrava o locutor do rádio, enquanto eu cruzava a cidade.
Era uma situação inusitada para quem deveria estar noutro lugar, que não ali. Todo o campeonato eu acompanhara do Varjão, em meio a moradores da comunidade, observando a relação deles com seus clubes de coração. E seria agora, justamente quando o campeão poderia ser decidido, que eu não estaria lá a ver o desfecho de minha pesquisa... Como justificar ao orientador? Ou à minha consciência? Afinal, que diabos eu estava fazendo dentro daquele carro, e não no Varjão?
"...Recebe Fred em posição de marcar... Prepara o arremate e chuta!... Na trá-veeeee!!! Naaaaaaaa trave!!!!!!! - prossegue o locutor. Era necessário que o Vasco ganhasse o jogo para que o Corinthians não fosse o campeão. Desta forma, a decisão ficaria para a rodada derradeira, conforme manda o manual do bom futebol e as leis de Deus.
Sim, eu estava torcendo pro Vasco da Gama. Para que minha pesquisa não se transformasse num fracasso, eu deveria rezar para que o Trem Bala da Colina colocasse óleo de ziriguidum como combustível e voasse baixo; do contrário, as consequências seriam funestas...
O que eu ia fazer? Perguntar ao Farinha Azeda (um informante) qual foi a emoção dele na hora do jogo? Pedir a Bode, um vascaíno apaixonado, que explicasse academicamente o que se passou em seu coração quando, no outro jogo, ao mesmo tempo, Liédson marcou para o Timão contra o Figueirnse, deixando seu Vasco a ver caravelas? Não dá; eu tinha de estar lá, mas não estava!...
Estava, como já disse, numa outra missão; complicada e difícil de explicar; daí ficar mesmo sem explicação. Eu havia me comprometido com um amigo que se encontrava numa situação complexa com a namorada. Um cara que já me deu apoio em muitas horas delicadas, e que já pisou na bola, como todo mundo que é humano. Talvez eu pudesse lhe dizer, "cara, agora não dá", mas como eu já disse, era uma situação difícil de explicar.
Que me chamem de irresponsável e inconsequente; é o que sou! Contem-me, pois, alguma novidade! Estava tudo a perder, mas eu tinha de dar essa força a ele.
Resgatei meu bróder e ele não estava legal. Tinha o choro entalado. Quis ser solidário e diminuí um pouco o volume do rádio, mas estava também contrariado por não estar lá, onde deveria estar. Ficamos calados durante um bom tempo, e olha que já estávamos no segundo tempo!
De repente, "goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooollll... É do Vasco da Gâmaaaaaaaa... A-le-qui-sandro!!!!... Tira o primeiro zero do placar, fazendo explodir a torcida cruz-maltina!..."
Foi um tremendo alívio. Mesmo com a vitória corintiana, o título só seria decidido na próxima rodada, e meu trabalho não teria sido em vão. Imediatamente, perguntei a ele como estavam as coisas, demonstrando total solicitude.
Ele então se pôs a balançar negativamente a cabeça, até que conseguiu fazer derramar as lágrimas que lá vinham se acumulando, e me contou sobre sua desilusão - talvez mais consigo do que para com a namorada. Aproveitei sua capacidade de auto-crítica e lhe dei meu melhores conselhos (na minha opinião, é claro), confortando-o um pouco... Mas em seguida o Fluminense empatou. Desgraça!
E o que era doce ficou acre, e logo me dessolidarizei com ele, acusando-o de pôr a perder minha pesquisa: "Não dava para me ligar antes? Ou depois? Mas tinha de ser na hora do jogo?".
Eu sei que estava sendo escroto... Mas o homem não é bicho-escroto?
Destilei toda minha mágoa, como se ele pudesse, porventura, ser o responsável por uma derrocada inteiramente por mim arquitetada. Pensava em chegar a tempo de ver os momentos finais, mas as notícias que chegavam do rádio não eram nada boas: "Termina a partida com a vitória corintiana! Basta que se confirme o empate no jogo do Vasco para que o Coringão seja novamente campeão brasileiro!!!".
Escutando aquilo, eu era capaz de visualizar todo o ambiente de euforia no boteco de Farinha Azeda, com Seu Tinho e Peludinho chorando de alegria pelo Corinthians, com Bode triste por seu Vasco. Via Cazuza feliz por ver seu Bahia ainda na primeira divisão, enquanto Bolinha rogava pragas ao seu outrora invencível São Paulo, fora da Libertadores da América.
Queria estar com eles, dividindo um prato de rabada ou carne de caça, no mesmo prato, na mesma colher, tomando uma cerveja gelada e fazendo graça da desgraça alheia. Rindo dos perdedores, mas rindo junto. É o que o futebol nos dá.
Eram 45 minutos, e eu já me sentia mal por haver dito tudo o que disse; um certo remorso. Então, já convencido a pedir desculpas, olhei para o lado e... "Goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooollllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll... E é do VÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁSCOOO! Miláááááágre no Engenhão, caros ouvintes!!!"
Meu pai me contou, horas depois, que até ele, flamenguista total, se emocionou com o gol do Bacalhau. Já com o tempo esgotado, o garoto Bernardo Boa-Praça marcou e correu em direção à felicidade , como nos velhos tempos, e chorou bonito diante de sua torcida alucinada, como um menino que prometera à mãe que sabia fazer aquilo direito; e fez.
Bernardo foi o herói do Vasco, e o Vasco foi meu herói neste domingo. Meu trabalho foi salvo. Não sou ingrato e sei reconhecer que vou ter de dar créditos à Turma da Colina em minha pesquisa. Mas é só.
Semana que vem tem Flamengo e Vasco, que decide o título, e sei que vou estar no lugar certo, junto à massa, cantando o velho hit do embate: ô-ôôô-ôôô VICE, DE NOVO!!!
(E vou levar junto o meu amigo, a ver se levanto a bola dele.)
(E vou levar junto o meu amigo, a ver se levanto a bola dele.)
foto by Peludinho