Água: só sente falta quem não tem |
Acho que minha vizinha tem um toc.
Ela sempre manda que suas duas empregadas lavem o calçamento em frente à casa dela. Todos os dias. Duas vezes ao dia.
Muito esmeradas, as mucamas lavam-na à vontade e, mesmo sem baldes, se esbaldam com a aguinha fresca que jorra ininterruptamente da mangueira, escorrendo pelos seus pés, enquanto salpicam OMO em pó pelo chão, para efeito de uma limpeza mais eficiente. A recreação costuma durar o tempo que o ponteiro maior do relógio leva para dar uma volta completa; é o happy-hour delas (sempre multiplicado por 2, registre-se).
O granito fica cinzinha, cinzinha!... Ainda mais quando comparado aos de todos os vizinhos da rua; "ai, como são porcos!". Como será que os vizinhos não se tocaram para a limpeza de suas calçadas, né?
E tome esfrega-esfrega com muita água desperdiçada e sabão em pó goela de Gaya abaixo, pela manhã e pela tarde - faltando apenas alguém que cubra o turno da noite para que a saga fique completa, e nem mesmo um grama de poeira possa ali sequer pensar em se instalar.
Não importa se é Primavera, Verão, Outono ou Inverno; o importante é garantir aos transeuntes o mais puro e límpido metro quadrado de granito que já se viu por estas bandas - padrão Noroeste, por assim dizer; coisa para Paulo Octávio ou Luíz Estêvão nenhum botar defeito!
Na verdade, tampouco importa se está chovendo ou fazendo sol. Na manhã da última segunda-feira, quando Brasília estava, pela primeira vez em quase 4 meses, desfrutando de um amanhecer úmido e desejado, lá estavam as irmãs-caverna açoitando a calçada com mangueiradas de vergonha e ignorância. Se ao menos estivessem se valendo da água natural para fazê-lo, mas nem isso... Sem mangueira, não deve ser a mesma coisa. Mangueira é sinal de poder, pujança e... ignorança.
Como desgraça pouca é bobagem, calçada também o é. Com tanto afinco, lavam também o perímetro da rua em frente à garagem que lhes caberia, imaginariamente. Sim, usam a água para lavar a RUA ASFÁLTICA, pela qual transitam nem sei quantas dezenas de carros, diariamente. Todos devem se satisfazer muito ao pensar: "uh, hora de passar por aqueles dois metros de rua mais limpos de Brasília!".
Minha vizinha parece que tem um toc, mas ela nunca se toca.
Ao fim de mais uma jornada, é hora das moças se retirarem; é hora de ir pra casa. Natural que tomem um banho antes de voltar ao lar, situado distante da pujança aquática aqui reinante.
É melhor assim. Vai que falta água por lá...
É melhor assim. Vai que falta água por lá...
photo by joão sassi