terça-feira, 16 de novembro de 2010

Angawa!


Alexandre leva a vida muito às claras.

Vive com sua namorada, mas também vive dizendo a ela que é “muito safado”. Alexandre gosta de todas as mulheres do mundo. Ele é muito sincero; canalha, mas sincero.

Sua namorada está sempre fora, trabalhando. Já ele, está quase sempre em casa, pelo jardim, olhando a paisagem pelo espelho do seu próprio olhar. Quando ela volta para casa, ele lhe dá pouca atenção, quase nenhuma; prefere ficar fumando maconha com seus amigos vizinhos.

Ela fica dentro de casa, resignada, preparando algo de gostoso para quando Alexandre ficar com fome. E quando fica realmente muito tarde e as luzes de sua casa já estão apagadas, Alexandre fala, com sinceridade: “Melhor eu entrar...”. Ele é muito sincero.

Alexandre gosta muito de mulheres. Está sempre a elogiá-las. Ele elogia todas as mulheres que passam pelo seu jardim; elogia as amigas dos vizinhos. E as namoradas deles. E também suas esposas. Enquanto fala marotamente delas, Alexandre deixa escapar uma malícia infantil por meio de um semi-sorriso. Mas Alexandre não é muito expressivo; ele é apenas sincero.

O cachorro do vizinho gosta muito de Alexandre. Este, sempre que o vê, olha fixamente em seus olhos e diz, repetidamente: “Angawa! Angawa! O cão entende a sinceridade de Alexandre, mas não tem a mínima idéia do que “Angawa” quer dizer...

Alexandre não é de muitas palavras. Ele é apenas sincero.

Diz que já viveu com duas mulheres, ao mesmo tempo – ele adora mulheres:

- “No começo era o Paraíso... Mas depois virou o Inferno!”-, conclui, com cara de quem não sabe o porquê... Fingindo... Alexandre parece um menino. Finge que não sabe, mas sabe. Alexandre é um menino safado, mas sincero.

Além de copular e pitar, Alexandre gosta de cheirar. Rapé.
Gosta de mulher, mas quando se trata da sua, primeiro vem a erva, depois o rapé, e só depois sua mulher.

Além de ser maconheiro, mulherengo e rapezeiro, Alexandre é também muito trabalhador e prestativo. Está sempre a ajudar os vizinhos, solicitamente. Quando não está pitando, cheirando, copulando ou comendo, Alexandre está trabalhando na limpeza da fossa ou esburacando a terra. Alexandre é muito sincero e trabalhador.

Por essas qualidades, sua namorada quer se casar com ele, mas ele recusa. Como já disse, Alexandre é muito sincero. Angawa!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Matinée

Tropa de Elite Osso Duro de Roer...

Caminhando pelos corredores que dão acesso à sala do cinema, procuro por alguma sinalização que indique o caminho do banheiro. Era a primeira sessão do dia e o lugar estava completamente vazio.

Mesmo na entrada, não havia mais ninguém além do pipoqueiro e das moças da bilheteria, que logo estranharam aquele gorrinho de cholito boliviano enfiado na minha cabeça.

As paredes e o piso bem acarpetados impediam a propagação dos sons externos ou internos, o que, aliado ao lúgubre aconchegante do local, emprestava uma certa dose de emoção ao percurso.


Uma vez no WC, a sensação é a de se estar num filme de suspense. O barulho do xixi; o da braguilha sendo fechada; a descarga; a torneira se abrindo; o papel para secar as mãos – sons que parecem se amplificar ante o silêncio reinante.

De volta ao corredor, busco pela sala 10... Então escuto um burburinho que indica a presença de um grupo de mulheres se aproximando: é o batalhão das zeladoras, com seus carrinhos de limpeza e esfregões à mão.

Conversavam animadamente sobre isso e aquilo – umas por cima das outras -, ensejando àquela centelha de tempo que antecede a labuta do dia-dia um prazer igualmente cotidiano.

Noto que, uma a uma, todas vão se calando, à medida que vou passando. Abro a porta da sala ainda “escutando” o silêncio delas. Antes de entrar, me viro subitamente e declaro: “Não podem nem ver um homem alto com um chapeuzinho maneiro, de manhã, que ficam logo com cara de boba, né?"

A gargalhada foi geral.


E o filme foi massa.